“Nenhum lugar no mundo que tem uma formação de professores de qualidade faz isso”, critica o diretor executivo do Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho, que cita como exemplos países como Canadá, Finlândia e Chile. Esse cenário decorre de uma “regulação muito frágil”, acrescenta ele, e “é um dos temas que merecem atenção do próximo governo federal.”
Professor de políticas educacionais do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), Gregório Grisa reforça que a pulverização de cursos EAD, principalmente licenciatura, é algo que faz com que ecossistema de ensino superior seja de “bastante precarização para o professor”, fator que também afeta a qualidade de ensino.
“Ao expandir a EAD de forma descontrolada, você chancela a precarização do docente. Todo ecossistema fica à mercê dessa lógica”, aponta Grisa. “Os resultados do Enade (exame que mede a qualidade de cursos superiores), entre outras avaliações, têm mostrado que infelizmente existe uma correlação entre (o avanço de) cursos à distância e uma avaliação aquém do esperado.”
Antecipação
Doutora em engenharia e gestão do conhecimento pela Universidade de Santa Catarina (UFSC) e consultora em EdTech, Carolina Schmitt Nunes destaca que a soma de uma série de fatores explica o avanço do ensino a distância. Na avaliação dela, a pandemia ganha destaque, pois acelerou esse processo que já acontecia, ao proporcionar uma “antecipação tecnológica”, que modificou a relação das pessoas com a tecnologia.
Ela também acrescenta que, hoje, o público universitário é formado em maioria por pessoas que trabalham e têm família – e, com isso, uma série de obrigações –, logo, a possibilidade de estudar de casa traz comodidade. O preço mais acessível aparece entre as razões de um estudante entrar em um curso EAD, aponta.
Além disso, Carolina cita a expansão da oferta. “Antes a gente tinha educação superior concentrada em grandes centros e a educação a distância pulverizou isso. A pessoa que morava nessas pequenas cidades tinha que se deslocar para um centro maior para poder fazer a faculdade. Hoje ela tem um polo na cidade dela.”
Qualidade
Em 2021 a matrícula nessa modalidade estava presente em 2.968 municípios, por meio de câmpus ou de polos EAD, o que representa aumento de 120% em relação a 2014. De modo geral, a consultora avalia que a expansão da educação superior é positiva para o País. Mas observa que a qualidade não acompanhou o avanço da oferta.
“Podemos ter uma série de profissionais com um diploma, mas que na prática não consegue desempenhar bem as suas funções ou mesmo não consegue entrar no mercado de trabalho naquele campo, porque não tem a qualificação necessária.”
Na visão de Carolina, isso ocorre porque o mercado do EAD se concentra na mão de grandes grupos educacionais – com “pouca concorrência” –, que por vezes primam pelo lucro em detrimento da qualidade.
Os ingressantes EAD representam mais de 70% dos calouros das instituições privadas; nas públicas, só 8,6%. “Falta fiscalização dos órgãos competentes, mas não só. A gente precisa também de uma régua mais alta, de critérios mais elevados, para avaliar essas ofertas.” Para ela, é possível ter EAD “com muita qualidade”.
Para isso, defende, é necessário investir em tecnologias e formação de docentes. Nesse sentido, uma herança da pandemia, que não é captada pelo censo, é o ensino híbrido, com parte do conteúdo dado a distância, e parte presencial. Carolina também pondera que nem todas os cursos podem ocorrer em formação 100% EAD, como as graduações em saúde.
Em setembro, o MEC decidiu suspender os processos de autorização e reconhecimento de graduações 100% a distância em Direito, Odontologia, Psicologia e Enfermagem. A medida ocorreu após reação contrária desses setores, que viam risco de perda de qualidade na oferta de cursos totalmente remotos.
Empregabilidade
Celso Niskier, diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), destaca que, em pesquisa feita pela própria entidade, o índice de empregabilidade de egressos do EAD foi o mesmo daqueles que fizeram graduação presencial. “Não percebemos nenhuma discriminação do mercado de trabalho com relação aos formandos do EAD.”
“O crescimento das matrículas (no ensino superior) tem se dado a partir do EAD, com a capilaridade maior de polos pelo Brasil inteiro. O nosso desafio é garantir que esse crescimento se dê com qualidade”, completa.
A taxa de conclusão de curso superior a distância é um pouco menor do que a de graduações presenciais. Só 37% dos alunos que ingressaram em curso EAD em 2012 se formaram até 2021. A mesma taxa é de 40% para os estudantes que entraram na modalidade presencial.
“Naturalmente, (o EAD) é uma modalidade com uma maior taxa de evasão, porque demanda, do aluno, uma dedicação, uma organização, um planejamento, que muitos não não conseguem ter”, explica Niskier.
Maioria das licenciaturas no EAD, enquanto MEC suspende análise para Direito e Enfermagem
Em setembro, o MEC decidiu suspender os processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de graduações 100% a distância em Direito, Odontologia, Psicologia e Enfermagem. A medida após reação contrária desses setores, que viam risco de perda de qualidade na oferta de cursos totalmente remotos.
Foi criado um grupo de trabalho, que terá um prazo de 180 dias para apresentar propostas e sugestões para a regulamentação dos cursos. Depois de anos parados, os processos de avaliação das propostas de faculdades para os cursos EAD em campos como o Direito, por exemplo, avançaram.
Enquanto isso, nas licenciaturas, a maioria das matrículas (61%) e ingressantes (77%) são da modalidade a distância. “O futuro professor da educação básica vai ter passado por formação à distância”, conclui o diretor-presidente do Inep, Carlos Moreno.
O cenário, na avaliação de Carolina, não deve ser observado com “desespero”, mas com “cuidado”. Ela lembra que, antes de adentrar uma sala de aula, os profissionais passam por “filtros” (processos seletivos). “É preciso olhar isso com bastante cuidado para garantir que esses professores estejam aptos a exercer a docência, e, caso não estejam, definir qual mecanismo pode ser adotado para corrigir essa rota.”
Bolsas na rede privada
O porcentual de matrículas de graduação na rede privada com algum tipo de bolsa caiu de 45,6%, em 2019, para 38,1%, em 2021. O Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Fies representam apenas, respectivamente, 17% e 8% das formas de financiamento. A maioria (75%) é de outras fontes – provavelmente das próprias instituições de ensino superior.
Na entrevista coletiva desta sexta, Eduardo Gomes Salgado, secretário-adjunto da Secretaria de Educação Superior (Sesu), destacou que a oferta de bolsas do governo aumentou, mas a ocupação diminuiu, e que os dados ajudarão no trabalho para entender as razões disso.
Nos últimos anos, o Fies passou por diversas mudanças, como o aumento da renda mínima, a possibilidade de financiamento parcial do valor do curso e juros diferentes a cada faixa de renda. Conforme mostrou o Estadão, em fevereiro, o sonho do diploma universitário para parte das famílias brasileiras que recorreram ao Fies no passado, virou pesadelo, com acúmulo de dívidas.
Niskier, presidente da ABMES, destaca que o “Novo Fies”, aprovado no governo do então presidente Michel Temer, trouxe mudanças que reduziram a “atratividade” do programa. “Adicionalmente, financiamento é algo que você pega quando acha que vai poder pagar lá na frente. Existe um desalento entre muitos jovens, em relação às perspectivas de emprego futuras.”
“Nós, da ABMES, defendemos uma nova forma de financiamentos estudantil que seja atrelada a renda futura do jovem, de forma que ele possa pagar em proporção aquilo que efetivamente vai receber como profissional no futuro”, finaliza.
Sobre o Prouni, ele explica que ele “reduz na medida em que reduz a base de alunos”. “O cálculo da quantidade de bolsas é automático, é um percentual do total de de de alunos que a instituição tem. Se há uma queda no número de alunos, há uma queda também na quantidade de bolsas oferecidas pelo Prouni.” /COLABOROU ÍTALO LO RE
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